Cardinal inacessível

Em matemática, especialmente em teoria dos conjuntos, um número cardinal κ {\displaystyle \kappa ^{\,}} é denominado inacessível se κ {\displaystyle \kappa ^{\,}} é um cardinal regular, não enumerável e limite forte. Essa propriedade é chamada as vezes de fortemente inacessível e é considerada uma propriedade de grande cardinal.

Definição formal

Um cardinal κ {\displaystyle \kappa ^{\,}} é inacessível se satisfaz as seguintes três propriedades[1]:

1) κ {\displaystyle \kappa ^{\,}} não é enumerável:

κ > ω = 0 {\displaystyle \kappa ^{\,}>\omega =\aleph _{0}}

onde ω = 0 {\displaystyle \omega =\aleph _{0}} é o cardinal do conjunto dos números naturais N {\displaystyle \mathbb {N} } .

2) κ {\displaystyle \kappa ^{\,}} é regular:

cf ( κ ) = κ {\displaystyle {\mbox{cf}}\left(\kappa ^{\,}\right)=\kappa }

onde cf ( κ ) {\displaystyle {\mbox{cf}}\left(\kappa ^{\,}\right)} é a cofinalidade de κ {\displaystyle \kappa ^{\,}} .[2]

3) κ {\displaystyle \kappa ^{\,}} é limite forte:

λ < κ ( 2 λ < κ ) {\displaystyle \forall \lambda <\kappa ^{\,}\left(2^{\lambda }<\kappa ^{\,}\right)}

Um cardinal κ {\displaystyle \kappa ^{\,}} é fracamente inacessível ou inacessível no sentido fraco se satisfaz "1)" e "2)" acima, mas "3)" é substituída por:

3*) κ {\displaystyle \kappa ^{\,}} é cardinal limite:[3]

λ < κ ( λ + < κ ) {\displaystyle \forall \lambda <\kappa ^{\,}\left(\lambda ^{+}<\kappa ^{\,}\right)}

Na literatura mais antiga, o termo "inacessível" já foi usado para se referir aos cardinais fracamente inacessíveis, criando uma certa ambiguidade.[4]

Em ZF mais a Hipótese Generalizada do Contínuum as propriedades "inacessível" e "fracamente inacessível" são equivalentes.[5]

Cardinais inacessíveis e modelos de ZF

Em ZFC, se V α {\displaystyle V_{\alpha }} é a hierarquia cumulativa de von Neumann, então, se κ {\displaystyle \kappa ^{\,}} é inacessível, então V κ {\displaystyle V_{\kappa }} é um modelo de ZFC.[6] Em particular, se κ {\displaystyle \kappa ^{\,}} é o primeiro inacessível, então V κ {\displaystyle V_{\kappa }} é um modelo de ZFC + "não existem cardinais inacessíveis", demonstrando a consistência relativa enunciado "não existem cardinais inacessíveis",ou seja, a existência de cardinais inacessíveis não pode ser demonstrada em ZFC, se ZFC é consistente.[7] Mas isso também implica que a consistência de ZFC + "existem cardinais inacessíveis" não pode ser demonstrada em ZFC, ao menos que ZFC seja inconsistente.[8]

Com relação à cardinalidade do contínuo, se supormos a consistência de ZFC mais "existe um cardinal fracamente inacessível", então ZFC mais " 2 ω {\displaystyle 2^{\omega }} é fracamente inacessível" também é consistente.[9]

Cardinais inacessíveis e teoria de números

Se denominarmos ZFCI à ZFC mais o enunciado "existe um cardinal inacessível", devido a que a consistência de ZFC pode ser demonstrada em ZFCI, essa última teoria demonstra mais enunciados de teoria de números, se ZFC é consistente:

a afirmação (mas não a negação) do axioma [sobre a existência de cardinais inacessíveis] implica novos teoremas sobre inteiros[10]

A demonstração do Teorema de Fermat efetuada por Wiles usa como pressuposto a existência de Universos de Grothendieck:

Grothendieck dá uma prova do que os pesquisadores de teoria dos conjuntos já sabiam: a definição de um universo em ZFC é o mesmo que dizer U é o conjunto V α {\displaystyle \;V_{\alpha }\;} de todos os conjuntos tomando valores menores que α {\displaystyle \;\alpha ^{\,}\;} para algum cardinal não enumerável fortemente inacessível α {\displaystyle \;\alpha ^{\,}\;} .[11]

Em outras palavras, a demonstração de Wiles é realizada numa teoria mais forte que ZFC, como quando acrescentamos a existência de um cardinal inacessível. Entretanto, Mc Larty expressa a esperança de que essas hipóteses possam ser eliminadas e que o Teorema de Fermat possa ser demonstrado num fragmento da Aritmética de Peano, mas não propõe nenhuma linha demonstrativa de fazer isso, só possíveis caminhos.[12]

Referências

  1. KUNEN (1980), p. 34.
  2. JECH (2006), p. 31.
  3. DRAKE(1974), p. 67.
  4. Por exemplo, ERDÖS TARSKI (1943), p. 316.
  5. HRBACEK JECH (2006), p. 168.
  6. DRAKE (1974), p. 109.
  7. KUNEN (1980), p. 133.
  8. KUNEN (1980), p. 145.
  9. KUNEN (1980), p. 281.
  10. GÖDEL (1990), p. 267.
  11. MAC LARTY (2010), p. 360.
  12. MAC LARTY (2010), p. 374.

Bibliografia

  • DRAKE, Frank R (1974). Set theory: An introduction to large cardinals (em inglês). Amsterdam: North-Holland 
  • ERDÖS, P.; TARSKI, A (1943). «On families of mutually exclusive sets» (PDF). The Annals of Mathematics (em inglês). 44 (2): 315–329  !CS1 manut: Nomes múltiplos: lista de autores (link)
  • GÖDEL, Kurt (1990). Collected Works II. Publications 1938−1974 (em inglês). 2,. Solomon Feferman et al. (eds). New York: Oxford University Press. ISBN 0-19-503972-6 
  • HAUSDORFF, Felix (1908). «Grundzüge einer Theorie der geordneten Mengen». Mathematische Annalen (em alemão). 65 (4): 435–505. ISSN 0025-5831. doi:10.1007/BF01451165 
  • HRBACEK, Karen; JECH, Thomas (1999). Introduction to set theory (em inglês) 3a. ed. New York: Marcel Dekker  A referência emprega parâmetros obsoletos |coautor= (ajuda)
  • JECH, Thomas (2006). Set theory (em inglês) 3a. ed. Berlin: Springer. ISBN 3-540-44085-2 
  • KUNEN, Kenneth (1980). Set theory: an introduction to independence proofs (em inglês). Amsterdam: Elsevier. ISBN 0-444-86839-9 
  • LEVY, Azriel (2002). Basic set theory (em inglês). Mineola, New York: Dover 
  • MCLARTY, Colin (2010). «What does it take to prove Fermat's Last Theorem? Grothendieck and the Logic of Number Theory» (PDF). The Bulletin of Symbolic Logic (em inglês). 16 (3): 359–377 
  • SIERPIŃSKI, Wacław; TARSKI, Alfred (1930). «Sur une propriété caractéristique des nombres inaccessibles». Fundamenta Mathematicae (em francês). 15: 292–300. ISSN 0016-2736  A referência emprega parâmetros obsoletos |coautor= (ajuda)
  • ZERMELO, Ernst (1930). «Über Grenzzablen und Mengenbereiche». Fundamenta Mathematicae (em alemão). 16: 29–47. ISSN 0016-2736 
  • Portal da matemática