Revolta dos Colonos

 Nota: Para o levante de mesmo nome em Caxias do Sul, veja Revolta dos Colonos (Caxias do Sul).
Revolta dos Colonos

Monumento sobre a Revolta dos Colonos, localizado na região central da cidade de Francisco Beltrão.
Período 1957
Local Sudoeste do Paraná, Brasil
Resultado
  • Colonos mantém a posse de suas terras
Participantes do conflito
  • Colonos paranaenses
  • Estado do Paraná
Forças
6,000 colonos

A Revolta dos Colonos ou Revolta dos Posseiros foi um levante realizado por colonos e posseiros armados iniciado em 10 de outubro de 1957[1] como forma de repúdio aos sérios problemas de colonização da região que se estabeleceu entre posseiros, colonos, companhias de terras grileiras, e os governos federal e estadual.[2]

Os problemas surgiram nas glebas Missões e Chopim, situadas no sudoeste do Paraná, na fronteira com a Argentina e sua origens mais distantes remontam à Guerra do Contestado. Desde dezembro de 1950, quando a companhia de colonização Clevelândia Industrial e Territorial Ltda - CITLA obteve, ilegalmente, um título de domínio de terras que já eram ocupadas por colonos,[3] até a revolta de 1957 a região foi palco atos de violência repugnante: "As ações dos jagunços eram violentas e resultavam em estupros, espancamentos, incêndios, depredações e até mesmo mortes"[4]. Em outubro de 1957, colonos e posseiros tomaram suas cidades e expulsaram as companhias grileiras e os jagunços por estas contratados em outros estados, exigindo que novas autoridades assumissem. A literatura sobe o tema é controvertida.[4] Em 2009 foi feito um documentário chamado A Revolta, com dezenas de depoimentos pessoais dos que viveram pessoalmente essa tragédia.[5]

Várias cidades do sudoeste paranaense foram tomadas, culminando com a tomada da cidade de Francisco Beltrão por cerca de 6 mil posseiros. As emissoras de rádio Colméia de Pato Branco e Francisco Beltrão tiveram grande importância durante o conflito.[4]

Entre os municípios tomados pelos posseiros pode-se citar Francisco Beltrão, Capanema, Planalto, Realeza, Pranchita, Renascença, Marmeleiro, Pato Branco, Santo Antônio do Sudoeste, Verê e Dois Vizinhos.

História

No dia 10 de outubro de 1957, cerca de 6.000 colonos tomaram a sede do município de Francisco Beltrão, no sudoeste do Paraná. Vinham em caminhões, carroças, a cavalo ou a pé. Normalmente trabalhadores pacíficios, revoltados com a sua situação, foram à luta, todos armados com foices, velhos revólveres, espingardas de caça, enxadas e pedaços de pau. Concentraram-se na Praça da Matriz, onde numa casa de esquina ficava a estação de rádio local, transformada em centro de operações. A delegacia e a prefeitura foram tomadas, o prefeito e o delegado fugiram.[2]

O Juiz de Direito foi colocado em prisão domiciliar e o Promotor Público ficou sob a custódia do Exército até receber autorização para sair da cidade. Numa reação em cadeia, outros municípios foram tomados. Em Pato Branco, já no dia 9 de outubro, foi constituída uma comissão de representantes de todas as facções política denominada Junta Governativa, pela imprensa. Os colonos foram chamados para a cidade, cujos pontos estratégicos foram guarnecidos: as principais vias de acesso, pontes, instituições públicas, estação de rádio, etc.

Este é o início da introdução do livro da professora Iria Zanoni Gomes de 1957, A Revolta dos Posseiros, originalmente apresentado como dissertação de mestrado na Universidade de São Paulo. Trata-se de um estudo sobre a ocupação daquela região, a questão legal da terra, histórico da disputa pelas terras, a intensificação do processo de violência das companhias de terra, jagunços e polícias civil/militar contra os colonos, a resistência e a luta dos trabalhadores.

Em 1961, Jânio Quadros desapropriou as terras em litígio, declarando de utilidade pública as glebas Missões e Chopim e determinando regime de urgência para sua desapropriação. Em 1962, o Grupo Executivo para as Terras do Sudoeste (Getsop) foi criado, pelo decreto nº 51.431 de 19 de março, para solucionar a questão de terras no sudoeste paranaense.[4]

A origem do conflito pelo título das terras

O início da colonização da região sudoeste do Paraná, divisa com a Argentina tem seu marco inicial na criação do Território Federal do Iguaçu, criado por decreto de 13 de setembro de 1943,[6] e na instalação da Colônia Agrícola General Osório (CANGO), criada pelo Decreto-Lei 12.417/43.[7]

A CANGO facilitou a vinda de migrantes dos estados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina, que acorreram à nova região em quantidade muito maior que a capacidade de atendimento da colonizadora. Segundo WACHOVICZ: "Quem vinha para a CANGO recebia de graça, terra, madeira, ferramentas e assistência. Porém, tudo era ilegal, uma vez que essa terra (Gleba Missões) estava sub judice numa disputa entre o Estado do Paraná e a União Federal". Por causa desta uma pendência jurídica, entre a União Federal e o Estado do Paraná o governo federal não tinha meios de outorgar escritura definitiva aos colonos, e assim dava a eles apenas um título provisório. Mais tarde, a CANGO parou de dar qualquer título, pois não tinham validade jurídica alguma.

A disputa pelas terras do sudoeste paranaense agravou-se devido à uma vitória jurídica obtida por José Rupp, em 1945, numa ação iniciada em 1927, contra a empresa Brazil Railway Company, do grupo Percival Farquhar, que não lhe pagara os dormentes fornecidos. Como a Brazil Railway Co. havia sido encampada pelo governo Federal em 1940, o crédito de Rupp passou a ser contra a União Federal. Após inúmeras tentativas de acordo, Rupp aliou-se a Mário Fontana, amigo do Governador Moisés Lupion, e juntos fundaram a Clevelândia Industrial e Territorial Ltda. - CITLA para colonizar o sudoeste do Paraná. Fontana adquiriu todos os direitos de Rupp e, numa operação ilegal, em 1950, a CITLA adquiriu as Glebas Missões e Chopim do Governo Federal, através da Superintendência das Empresas Incorporadas ao Patrimônio da União (SEIPU), por importância considerada ínfima.[8]

A escritura outorgada à CITLA correspondia a 475.200 ha. de terras, que incluíam todo o território da CANGO, com mais de 3 mil colonos já assentados, além de todas as zonas urbanas dos distritos de Francisco Beltrão, Santo Antônio e Capanema.[9]

Políticos da oposição denunciaram a negociata, o que repercutiu na imprensa nacional. O Tribunal de Contas da União impugnou o registro da escritura outorgada pela União Federal à CITLA, alegando várias inconstitucionalidades.

O Conselho de Segurança Nacional, então, enviou um ofício a todos os Cartórios de Registro de Imóveis da região proibindo o registro da escritura da CITLA. Porém o governo estadual criou um novo Cartório de Registro de Títulos e Documentos, em Santo Antônio do Sudoeste, no qual a escritura pôde ser devidamente registrada, antes que o ofício lá chegasse.

Ficou definitivamente decidido que os títulos falsos da Clevelândia Industrial e Territorial Ltda - CITLA foram cancelados, em agosto de 1953, "por carta precatória expedida pelo Juízo de Direito da Segunda Vara da Fazenda Pública do Distrito Federal, a requerimento da União Federal, em 04 de agosto de 1953, foi cancelado "o registro e transcrição dos imóveis MISSÕES e CHOPIN, efetuados em nome de Clevelândia Industrial e Territorial Ltda - CITLA". Superior Tribunal de Justiça, Acórdão, REsp 298368 (2000/0145757-8 - 04/12/2009)

Decisão do Superior Tribunal de Justiça

A questão da titularidade e posse das terras das glebas Missões e Chopim ainda é objeto de inúmeras e prolongadas ações judiciais. No Recurso Especial julgado pelo Superior Tribunal de Justiça em 10 de novembro de 2009 (sob o n° REsp 298368 (2000/0145757-8 - 04/12/2009) ficou decidido que:

5 - Consectariamente, à luz da doutrina legal da posse "se foi a autora (CITLA) possuidora de boa-fé, só o foi nos períodos de 04 de dezembro de 1950 a 18 de janeiro de 1951, aproximadamente mês e meio, e de 14 de maio de 1953 a 04 de agosto daquele mesmo ano, menos de três meses, um total de menos de quatro meses". 6 - É que "a partir dos cancelamentos dos registros é inquestionável a presunção de que o possuidor sabia que possuía indevidamente, dado o princípio da publicidade que rege os Registros Públicos, isto é, uma vez cancelada a escritura, tem-se como público aquele ato jurídico".
Superior Tribunal de Justiça, Acórdão, REsp 298368 (2000/0145757-8 - 04/12/2009)

Todavia, ainda estão pendentes de análise recursos de Embargos de Divergência opostos pela CITLA.

Veja também

Referências

  1. Os cios da terra Jornal Gazeta do Povo - edição comemorativa de n° 30.000 - acessado em 8 de dezembro de 2012
  2. a b Paro, Denise. «A Revolta dos Colonos, 50 anos depois». Gazeta do Povo. Consultado em 25 de outubro de 2023 
  3. Vitória no STJ evita que União indenize empresa por posse irregular de terra no Paraná., Advocacia Geral da União
  4. a b c d PEGORARO, E. Revolta dos posseiros de 1957: consensos e desacordos de algumas interpretações. Revista Ideas - Interfaces em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade, Rio de Janeiro, v. 2, n.1, p. 109-133, jan.-jun. 2008.
  5. Documentário A Revolta. - Direçõa e Roteiro: João Marcelo Gomes e Aly Muritiba
  6. Decreto-Lei Nº 5.812, de 13 de setembro 1943: Cria os Territórios Federais do Amapá, do Rio Branco, do Guaporé, de Ponta Porã e do Iguassú. Presidência da República
  7. Decreto nº 12.417, de 12 de Maio de 1943., Brasília, Câmara dos Deputados, Centro de Documentação e Informação, Legislação Informatizada.
  8. WACHOVICZ, 1987, p. 151.
  9. WACHOVICZ, 1987.

Bibliografia

  • COELHO JUNIOR. De paraíso a inferno. O Estado do Paraná, 25 set. 1957. Artigo, p. 4.
  • GOMES, Iria Zanoni. A Revolta dos Posseiros. São Paulo. 1957.
  • MORAES, Mário de. Sangue no Paraná. Rio de Janeiro: Revista O Cruzeiro, p. 5, 12 out. 1957.
  • MAEDER, Othon. A rebelião agrária do Sudoeste do Paraná em 1957. Rio de Janeiro: Senado Federal, 1958. 33 p.
  • PEGORARO, E. Revolta dos posseiros de 1957: consensos e desacordos de algumas interpretações. Revista Ideas - Interfaces em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade, Rio de Janeiro, v. 2, n.1, p. 109-133, jan.-jun. 2008.
  • RÊGO, R. M. L. Terra de Violência: Um Estudo sobre a Luta pela Terra no Sudoeste do Paraná. Dissertação (Mestrado em Sociologia). USP. São Paulo, 1979.
  • VERONESE. C. D. O papel pedagógico da Assessoar no apoio à construção da cidadania dos ex-posseiros do sudoeste do Paraná. Rio Grande do Sul: Editora Unijuí, 1998.
  • VOLTOLINI, S. Retorno 2. Pato Branco na Revolta dos Posseiros de 1957. 2 ed. Pato Branco: Fatex, 2003.
  • WACHOWICZ, R. C. Paraná, Sudoeste: ocupação e colonização. Curitiba: Lítero- Técnica, 1985.
  • WESTPHALEN, C. Nota prévia ao estudo da ocupação da terra no Estado do Paraná. Boletim da UFPR, nº 7, p. 1-52, 1968.
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